Lugar das Ciências – Neurobiologia – <i>Susana Sá</i>

Simpósio 

Lugares da Afetividade e da Sexualidade na Configuração da Identidade Pessoal

Lugar das Ciências  – Neurobiologia

Susana Sá, Coordenadora Científica do Projeto Entrelinhas

INTRODUÇÃO

Atualmente, com a emergência de novas formas de se pensar o “eu”, tornou-se comum a noção de que não há diferença entre seres humanos. Esta teoria, assente em princípios humanistas e de igualdade, está a chegar ao extremo de se considerar que não há qualquer diferença entre seres humanos, mesmo ao nível da sua biologia.

Há mais de meio século que se especula sobre teorias de diferenciação sexual[1] entre mamíferos, nomeadamente na espécie humana[2]. Se, num primeiro momento, se identificou a genitália externa[3] como a causa da diferenciação sexual, com o advir de novas técnicas, a ação das hormonas sexuais[4] passou a ter um papel preponderante. Considerando-se que no início era ainda desconhecida a ordem causal dos eventos (genitais seriam causa ou consequência das hormonas sexuais), a observação da genitália externa aquando do nascimento, tornou-se o ato informativo para categorizar a pertença a um dos sexos. Esta categorização acompanhou-se de um crescente de conceitos definidos culturalmente para cada um dos sexos e da representação/ papel que cada indivíduo desempenha na sociedade.

Numa realidade em crescendo de pensamento crítico, estes conceitos culturais foram sendo postos em causa, nomeadamente com a contestação do papel culturalmente atribuído à mulher (menor, mais frágil, menos relevante). No acompanhar deste debate, aparecem as objeções das pessoas com orientações sexuais[5] e identidades de género[6] diferentes da maioria pelo direito de pertencer, em igualdade, à sociedade.

Esta onda de controvérsia evoluiu de tal forma que pôs em causa a existência de diferentes realidades masculina e feminina, considerando que os elementos da espécie humana são todos iguais e que a diferença é apenas cultural.

A realidade da biologia mostra um quadro diferente, em que existe, na verdade, diferenciação sexual entre os membros da espécie humana[7] e que algumas dessas diferenças podem estar na base da orientação sexual e da identidade de género[8].

Neste texto, propõe-se uma revisão sumária do conhecimento da biologia sobre as diferenças sexuais no cérebro humano e da forma como poderão estar envolvidas nas diferentes orientações sexuais e identidades de género.

 

Diferenciação sexual

Os humanos, como todas as espécies que se reproduzem de forma sexuada[9], apresentam diferenças entre os participantes da reprodução.  A primeira característica informativa de diferenciação sexual, quer nos humanos, quer nos animais de espécies com reprodução sexuada, está no genital externo, que distingue macho de fêmea. A esta distinção associou-se toda uma série de atributos corporais e psíquicos característicos de cada tipo de indivíduo; tanto nas espécies animais, como na espécie humana.

A teoria clássica, quase centenária, de desenvolvimento sexual defende que o sexo é definido pelo tipo de gónada[10] e gâmetas[11] produzidos; a determinação sexual (organização das estruturas com fenótipo[12] sexualmente diferente) é o primeiro momento do desenvolvimento sexual, desencadeado pela expressão génica[13] que controla o desenvolvimento da gónada. Esta determinação inicia-se com a expressão do gene Sry pelo cromossoma[14] Y que induz a formação da gónada masculina que expressa testosterona[15], promovendo o desenvolvimento do genital externo masculino; e expressa a hormona inibitória mülleriana, que anula os primórdios das gónadas femininas. Por oposição, o sexo feminino, que não apresenta cromossoma Y (apresenta apenas cromossomas XX), não expressa esse gene e, por isso, anula-se o primórdio da gónada masculina e desenvolve-se a feminina[16]. Embora esta codificação genética aporte, por si só, outras diferenças entre portadores de cromossomas sexuais XX ou XY[17], a maior influência desta diferença advém da formação de um sistema endócrino[18] sexualmente dimórfico, que é dependente do desenvolvimento e ação das gónadas. A síntese e libertação de hormonas diferentes por parte de gónadas dimórficas, direciona o desenvolvimento do corpo em geral, e do encéfalo em particular[19].

Existe, no entanto, diferenciação sexual independente da formação de gónadas e da produção de hormonas. A teoria corrente sobre diferenciação sexual apresenta uma mudança de paradigma, ao definir que os fatores primários de viés sexual estão codificados nos cromossomas sexuais (X e Y), uma vez que são as únicas estruturas diferentes nos gâmetas dos machos e das fêmeas.[20] Deste facto sucede que todas as expressões fenotípicas (morfológicas e fisiológicas) são a jusante desta característica genética e são dela dependentes. Estudos recentes em roedores mostraram variação fenotípica associada aos cromossomas X e Y não dependente da gónada, que podem estar relacionados com fatores internos (epigenéticos[21]) ou externos (nomeadamente disruptores ou moduladores endócrinos[22]) que afetam a regulação génica.

A diferenciação sexual está também patente no desenvolvimento do corpo: os homens apresentam um sistema músculo-esquelético mais desenvolvido, são habitualmente maiores e mais fortes. Estudos recentes mostraram a existência de diferenciação sexual na fisiologia (e.g. os homens preferem temperaturas mais baixas que as mulheres) e na reação à doença, em que se mostrou haver variação na expressão proteica e na resposta inflamatória entre homens e mulheres, conferindo aos homens um maior risco de apresentarem doenças mais graves e com pior prognóstico do que as mulheres.[23]

Estudos em humanos são difíceis de realizar, uma vez que apresentam grandes variáveis. No entanto, o estudo de algumas doenças e erros de desenvolvimento ajudaram a aumentar o conhecimento sobre a evolução das diferenças sexuais e as suas variações.

Para que o desenvolvimento humano seja moldado pela testosterona, é necessário que os homens, por expressarem os cromossomas XY, sejam mais sensíveis à testosterona[24] do que as mulheres. Isto significa que a expressão de testosterona deve ser acompanhada da expressão de recetores de androgénio[25] nas células que vão responder à hormona, para que a sua ação possa ter efeito, e a diferenciação sexual decorra no sentido dos cromossomas sexuais.[26]

Os homens que não expressam recetores de androgénio, não apresentam gónada externa masculina (o seu genital é semelhante ao genital feminino) mas apresentam testículos. Já as mulheres com excesso de testosterona (ou maior expressão de recetores de androgénio), apresentam o genital externo levemente masculinizado; neste caso, o comportamento infantil é também tendencialmente masculino;[27] embora como adultos apresentem comportamento feminino, sendo maioritariamente heterossexuais[28]. Também erros na produção de testosterona (por exemplo, a expressão apenas do seu percursor[29], que tem menos ação nos recetores de androgénio), leva a que os homens apresentem aparelho genital interno masculino e externo feminino, sendo habitualmente educados como meninas até à puberdade. Na puberdade, a produção de testosterona aumenta e aproximadamente metade destas pessoas apresenta comportamento masculino, sendo heterossexuais masculinos.[30]

Além de alterações na produção das hormonas, muitas vezes existem erros genéticos que conduzem a alterações na diferenciação sexual. Um exemplo destes tipos de erros são os fatores epigenéticos, que promovem alterações do genoma dos progenitores que são depois passadas à prole.[31]  Os marcadores epigenéticos sexuais existem para controlar o desenvolvimento sexual antes da libertação das hormonas sexuais e podem desencadear “conflito sexual”[32] dentro dos genes. Este conflito epigenético ocorre quando desaparece a possibilidade de apagar determinada característica de determinado sexo que é depois herdada pelo indivíduo de outro sexo, influenciando, por isso, de forma oposta o seu comportamento[33]. Estudos mostraram a existência de fatores epigenéticos que induzem a redução da sensibilidade dos homens à testosterona e de outros fatores que aumentam essa sensibilidade em mulheres.[34] Estes marcadores epigenéticos sexualmente opostos são benéficos para o progenitor que os produziu, mas quando as alterações induzidas por eles se transmitem através de gerações (i. e., não são apagados), acabam por ser prejudiciais para os descendentes do sexo oposto, contribuindo para a discordância de características entre cromossomas e gónadas.[35]

Junção de gâmetas diferentes → perfil genético sexualmente diferenciado → produção de gónadas → produção hormonas → interação com recetores → desenvolvimento do genital externo.Pode haver erros em vários locais: junção dos cromossomas; expressão em excesso ou deficiente de hormonas e/ ou dos recetores.Variações na morfologia e fisiologia dos indivíduos. Fatores genéticos a jusante dos cromossomas (antes das hormonas) ajudam a determinar diferentes respostas fisiológicas (resposta a doenças e inflamação).Fatores epigenéticos podem promover conflito sexual.  

Dimorfismo sexual no encéfalo

O desenvolvimento do encéfalo, como de qualquer outro órgão, é também dependente do cariótipo[36] de cada indivíduo e da ação das hormonas libertadas pelas gónadas. Este facto induz, de igual modo, diferenciação sexual no fenótipo encefálico (diferenças na morfologia e fisiologia) que se expressa na ação e no comportamento do indivíduo. Sendo um mamífero primata, o ser humano é muito diferente dos seus parentes filogenéticos[37], nomeadamente na sua capacidade de socialização e abstração. Estas características introduzirão também diferenças significativas na morfologia, fisiologia e resposta cerebral humana.

No geral, a ação do cérebro humano é igual em todas as pessoas (independentemente do cariótipo), ressalvo apenas as situações de patologia. Foi, no entanto, detetado dimorfismo sexual na anatomia de algumas regiões encefálicas e mais ainda na sua fisiologia. Estas diferenças são muito dependentes da regulação das hormonas sexuais, acompanhada da diferente expressão dos recetores hormonais[38].

Algumas áreas encefálicas expressam, diferencialmente, recetores para as hormonas sexuais que, ao serem ativadas, vão desencadear respostas sexualmente diferentes. Estas repostas podem ser fisiológicas, como a ativação ou a inibição de determinado processo neuronal; ou anatómicas, na produção de mais ou menos células neuronais[39] ou contactos sinápticos[40], conduzindo a respostas neuronais diferentes em indivíduos de ambos os sexos. 

O encéfalo é muito dependente da circulação destas hormonas quer como agentes de crescimento, quer como agentes de ativação neuronal. Existem neurónios que expressam apenas um tipo de recetores para as hormonas sexuais, sendo ativados ou inibidos apenas pela ação dessa determinada hormona.[41] Esta ativação diferencial vai promover, no fim do processo, a modulação de comportamentos que serão diferentes nos seres masculinos (produtores de testosterona) e femininos (produtores de estradiol e progesterona[42]). Estes neurónios estão espalhados no encéfalo, mas existem em maior abundância nas áreas neuronais relacionadas com o comportamento reprodutor e com o papel que cada elemento da espécie tem no cuidado e proteção da prole.[43] No entanto, o dimorfismo sexual humano é em continuum, ao contrário do dos roedores, que é dicotómico.

Estudos realizados em encéfalos humanos, mostraram que estas diferenças são muito subtis e parecem não aportar grandes desigualdades no funcionamento do encéfalo de indivíduos de ambos os sexos; considerando que o dimorfismo é muito raro no encéfalo humano e que as áreas mais masculinas ou femininas apresentam grande sobreposição entre os sexos.[44] A difícil caracterização de respostas neuronais (ações e comportamentos) como particularidades consideradas male-typical (apresentadas maioritariamente em homens) ou female-typical (apresentadas maioritariamente em mulheres) dentro de grupos de pessoas com igual identidade de género e orientação sexual torna impeditivo o seu uso como medida de comparação ou como características reconhecidas de um ou outro grupo. Ao contrário de outras áreas anatómicas, não podemos dizer que existe um encéfalo totalmente masculino e outro totalmente feminino.[45] E esta particularidade parece reforçar a noção, apresentada pela teoria de género, de que não existem diferenças sexuais nos humanos que justifiquem os papeis de género instituídos culturalmente.

No entanto, e no geral, os homens apresentam maior área de superfície cortical e de volume cerebral, tanto de substância cinzenta[46], como de substância branca[47] e as mulheres apresentam maior volume de substância branca[48]. Estas variações que se expressam em diferenças de número de neurónios e de conectividade neuronal parecem, de alguma forma, organizar a resposta neuronal (pensamento e ação) característica dos indivíduos de cada sexo, nomeadamente, os homens apresentam melhor função executiva e memória espacial e as mulheres, melhor fluência verbal, reconhecimento emocional e memória de localização de objetos.[49] Pensa-se que esta diferenciação sexual resulta da evolução filogenética da espécie humana, desde momentos em que os humanos eram caçadores (papel atribuído aos machos) e recolectores (papel atribuído às fêmeas, assim como o cuidado da família).[50]

No entanto, não podemos esquecer que a expressão génica, dependente do cariótipo (XX/ XY) e independente da libertação hormonal, é também relevante na determinação das diferenças entre homens e mulheres. Estudos realizados em ratinho em que foram colocados genes sexuais em autossomas[51] de forma a separar a expressão cromossómica da formação da gónada, mostraram a existência de comportamentos distintos, dependentes da expressão de genes característicos dos cromossomas X e Y, em animais com a mesma gónada e produzindo as mesmas hormonas.[52] Daqui se depreende que as hormonas e os genes não são fatores interdependentes.

É difícil separar os efeitos da expressão génica e das hormonas no encéfalo, porque estes não podem ser separados em forma de modelo, para serem estudados. Por outro lado, existem muitas variações que são causadas pelo ambiente cultural de cada um. Assim, a maioria dos estudos em humanos centraram-se em pessoas que apresentam diferenças na expressão de determinados genes ou hormonas. Homens e mulheres que apresentam excesso de expressão de recetores de androgénio e testosterona apresentam padrão cortical[53] (espessura e volume) tipicamente masculino, por sua vez pessoas com redução da expressão de recetores de androgénio ou de testosterona apresentam padrão cortical tipicamente feminino. Estudos em humanos com variação na expressão de cromossomas X verificou que existe relação causal entre o número de cromossomas X e a redução no volume encefálico total, no volume cortical e na área de superfície cortical independente do sexo ou da concentração hormonal.[54] Estes estudos mostram que as alterações induzidas pelas hormonas são independentes das induzidas pelos genes e podem ter efeito sinergista ou oposto.

Muitos estudos sustentam que, por um lado, a empatia (de maior expressão nas mulheres), e por outro, a agressividade, a dominância social e a capacidade de rotação mental 3D (de maior expressão nos homens), são também dependentes dos níveis circulantes de testosterona (e seus recetores) entre as 8-16/24 semanas embrionárias e as 4-12 semanas pós-natais. Os especialistas defendem que as três principais respostas comportamentais com grande diferenciação sexual são o jogo sex-typed[55], a orientação sexual e a identidade de género, todos relacionados com a concentração de testosterona. De facto, estudos em meninas (XX) com maior produção de testosterona por defeito da glândula suprarrenal[56], mostraram que as crianças apresentam preferência pelo jogo masculino e não gostam de brinquedos de “menina”, da mesma forma que meninos com expressão reduzida de recetores de androgénio, preferem o padrão de jogo feminino.[57] No entanto, também se discute que esta diferença no jogo infantil é influenciada pelo ambiente social, de forma que, quando as crianças se identificam como menina (mulher) ou menino (homem) pela forma como os pais os educam (como vestem, que brinquedos lhes dão, etc.), preferem os jogos mais orientados para o género “aprendido”. Neste caso a auto-socialização depende da sua cultura.[58]

A resposta comportamental é muito dependente do ambiente cultural em que as crianças crescem, sendo que esta educação afeta também a morfologia e fisiologia cerebrais. No geral o encéfalo humano não é uniformemente masculino ou feminino. Os estudos demonstraram que na maioria dos encéfalos humanos não se verifica um padrão morfológico ou de conectividade consistentemente masculino ou feminino, sendo que, na maioria, as pessoas apresentam mais características típicas de masculino ou mais características típicas de feminino.[59] Acresce que algumas das estruturas com diferenciação sexual que promovem morfologia ou fisiologia diferentes podem desencadear a mesma resposta. Este facto levou alguns cientistas a sugerir que algumas estruturas cerebrais diferentes em homens e mulheres servem para que ambos se comportem de forma semelhante, ultrapassando as diferenças introduzidas pelos meios hormonais.[60] Disto resulta que o grau de masculinização ou feminização das diferentes estruturas cerebrais é diferente porque o dimorfismo sexual das diferentes estruturas cerebrais progride de forma diferente.

Estas características são muito relevantes, tendo em consideração que o dimorfismo sexual do encéfalo é também dependente de fatores não biológicos (como a educação e a cultura), que são de grande relevância para a componente psicológica. Nomeadamente, a existência de fatores educacionais (comportamentais), dependentes da forma como as crianças são educadas, as predefinições pedagógicas e as preferências ou aptidões para determinadas brincadeiras; e de fatores sociais, na forma como cada pessoa se integra na sociedade e como a sociedade define os seus papeis sociais. Estas duas características psicológicas são cada vez mais relevantes porque são moduladoras da morfologia e fisiologia neuronal.

Um dos problemas dos estudos em humanos tem que ver com a amostra: as pessoas são diferentes. As mulheres são mais voluntariosas que os homens, o que significa que é mais fácil conseguir mulheres para os estudos que os homens. Por outro lado, os homens mais voluntariosos são também mais formados, apresentando maior capacidade cognitiva[61]. Desta forma, pode acontecer estarmos a comparar homens e mulheres com capacidade cognitiva diferente; o que pode trazer confusão, uma vez que não se consegue relacionar o diferente comportamento à biologia, havendo sempre uma grande influencia da componente psicológica (educação e vivencias). Outro fator confundente é que algumas características sexuais parecem ser consequência de outras, mas este facto só é verificado se as diferenças sexuais forem analisadas em conjunto. Por exemplo, para o desenvolvimento da biologia da mulher é fundamental que exista a inativação de um dos cromossomas X, o que leva a que os homens (XY) apresentem 46 cromossomas ativos e as mulheres só 45.  No entanto, se considerarmos que o Y apresenta apenas uma pequena carga genética (e a maioria do seu conteúdo tem a ver com a masculinidade), esta diferença existe para compensar outra.[62]

Na sua maioria, os encéfalos de homens e de mulheres não são diferentes, havendo pessoas que apresentam mais características típicas de masculino e outras que apresentam mais características típicas de feminino.Existe diferenciação sexual em determinadas regiões cerebrais, na sua maioria associadas à reprodução e vida em “família” e/ ou de softskils herdadas da evolução filogenética.  A diferenciação sexual do encéfalo é maioritariamente dependente da concentração de hormonas sexuais e seus recetores, mas também depende da expressão de determinados genes (e.g. cromossoma X).Não existem diferenças sexuais no cérebro humano que justifiquem os papeis de género instituídos culturalmente.Há diferenciação sexual no cérebro que conduz a respostas comportamentais iguais.Estudos em humanos são de difícil replicação devido à grande variabilidade de características pessoais e à pequena amostragem.  

A relação com o outro

As áreas cerebrais que apresentam maior variabilidade entre indivíduos de sexos opostos estão principalmente envolvidos na promoção e controlo das emoções e dos comportamentos de relação com os outros.[63] As emoções são a ação que o cérebro desencadeia em resposta a um determinado estímulo (que pode ser as emoções de outros) e que permite ao indivíduo interagir com os outros e com o meio, de forma que as suas ações sejam benéficas para o próprio (e muitas vezes para a espécie)[64]. Existem emoções básicas (inatas), nomeadamente o medo, a alegria, a raiva, a aversão e a tristeza; e outras mais complexas e que necessitam ser aprendidas. Esta aprendizagem pode ser implícita, uma vez que se aprende de forma inconsciente através da modulação de um comportamento/resposta fisiológica; ou explícita (mais comum nos humanos), caracterizada por não necessitar de exposição ao estímulo, uma vez que o conhecimento é obtido por instrução de terceiros.[65]

O ser humano é um ser social, e a forma como se relaciona com os outros é fundamental para o sucesso desta socialização. A capacidade de identificar estímulos emotivos na expressão facial dos outros é uma característica evolutivamente relevante, uma vez que pode determinar uma relação de proximidade e de confiança, e até a escolha de parceiro.[66] Em última análise, o culminar das competências sociais leva ao sucesso do indivíduo no extremo da socialização: a reprodução. Desta forma, e sendo o ser humano um animal maioritariamente monogâmico, este sistema neuronal está formatado para permitir e até potenciar o encontro social dos indivíduos de forma que se tornem emocionalmente associados e assim permitirem o sucesso reprodutor.[67] O sistema de socialização dos mamíferos menores, como os roedores, está direcionado num contexto social e outro sexual, separados no tempo e de acordo com estados hormonais. O dos primatas, quer humanos como não humanos, está direcionado num contexto socio-sexual que flutua e coexiste no tempo. Desta forma, e ao contrário dos roedores, os sistemas neuronais humanos que modulam comportamentos sociais e sexuais estão interligados.

Orientação sexual

As características sexualmente diferenciadas estão principalmente relacionadas com os comportamentos sexuais, e apresentam determinada reciprocidade quer em termos fisiológicos como em termos emotivos. Assim sendo, parece estranha a existência de relacionamentos “sexuados” entre indivíduos do mesmo sexo.

A ciência percebeu que a sexualidade humana é muito diferente daquela da maioria dos animais inferiores no sentido em que não é dicotómica. Esta diferença deve-se principalmente a fatores psicossociais, e não a fatores hormonais ou de organização cerebral.

Estudos de imagem têm vindo a mostrar que o encéfalo das pessoas homossexuais[68] não é diferente do das pessoas heterossexuais do mesmo sexo. Quando a diferença existe, parece dever-se a variações hormonais no período perinatal (variações nos níveis de testosterona); havendo, no entanto, uma grande influência na forma como as crianças crescem e se desenvolvem na interação com o meio e com os outros, na modulação da sua fisiologia e morfologia cerebral.[69] De qualquer modo, e no geral, as diferenças encontradas nos encéfalos das pessoas homossexuais versus heterossexuais não são generalizadas e o estudo dos efeitos de variações hormonais durante o desenvolvimento não mostraram correlação direta com diferenças na orientação sexual.

São disso exemplos o núcleo da região pré-óptica, que foi demonstrado ser maior em homens heterossexuais, apresentar tamanho intermédio em homens homossexuais e ser menor em mulheres.[70] Situações patológicas de desenvolvimento de gónadas nem sempre leva a diferenças da orientação sexual; é o exemplo do dietilstilbestrol[71], uma droga administrada a mulheres grávidas e que se verificou provocar malformações da genitália masculina sem, no entanto, introduzir alteração da orientação e atividade sexual.

Alguns estudos mostraram a existência de diferenças morfológicas e funcionais no encéfalo de pessoas homossexuais em relação às heterossexuais do mesmo sexo. Nomeadamente, verificou-se que os homens homossexuais apresentam pior resposta de cognição e orientação espacial e maior fluência verbal, resultados esses semelhantes aos de mulheres heterossexuais. Já as mulheres homossexuais apresentaram resposta semelhante aos homens heterossexuais nas tarefas “masculinas” não apresentando diferença nas “femininas”.[72] Estes estudos levaram à formação da teoria do “cross-sex shift”, que afirma que o cérebro do homem homossexual é igual ao da mulher heterossexual, sendo que os homens homossexuais deveriam apresentar desempenho de tarefas neuro-cognitivas (em que os homens pontuam mais do que as mulheres) igual ao das mulheres heterossexuais.[73]

No entanto, esta variação não foi demonstrada para a maioria das áreas e respostas neuronais estudadas e parece estar muito mais relacionada com fatores de desenvolvimento (educativo e cultural) do que com características biológicas. O “childhood gender unconformity”[74] parece ser uma característica que induz maior dimorfismo no encéfalo: as crianças que têm preferências por brincadeiras típicas do outro sexo acabam por apresentar desenvolvimento do encéfalo nesse sentido.[75]

No entanto, estudos de imagem mostraram existir algumas diferenças morfológicas entre pessoas hétero- e homossexuais. Nomeadamente, medições dos feixes de substância branca encefálicos mostraram que os homens heterossexuais apresentam feixes maiores que os das mulheres heterossexuais. Contrariamente, os feixes de fibras de substância branca de pessoas homossexuais de ambos os sexos não apresentam diferenças entre si, sendo os valores muito aproximados aos verificados nos homens heterossexuais, e não se verificando diferença entre homens homossexuais e heterossexuais. A diferença sexual no tamanho destes feixes desaparece nas pessoas homossexuais, principalmente porque as mulheres homossexuais apresentam padrão mais masculino e os homens homossexuais não apresentam o padrão mais feminino. Parece que a homossexualidade se manifesta de forma diferente nos encéfalos de mulheres e de homens, e parece estar associada a uma conectividade funcional menos pronunciada entre as áreas encefálicas, em comparação com a orientação heterossexual.  Os resultados sugerem que a testosterona estará envolvida no crescimento dos feixes de substância branca; seria, neste caso, responsável pelo aumento destes feixes nas mulheres homossexuais, sem, contudo, promover diferença nos feixes dos encéfalos masculinos.[76]

Os estudos sugerem que a homossexualidade masculina e feminina não aparece por analogia[77] e que as diferenças em relação aos controlos heterossexuais são mais pronunciadas nos homens, apresentando as mulheres maior fluidez na sua comparação. Estes resultados estão em linha com estudos que relacionam o estado de excitação da pessoa face a estímulos homossexuais e heterossexuais, em que os homens apresentam maior correlação com o auto-reporte (resposta fisiológica é concordante com a orientação sexual afirmada) do que as mulheres. [78]

A sexualidade humana é mais cultural do que a da maioria dos animais, ocupando um grande espaço na afetividade e socialização humana.A maioria dos estudos não detetou diferenciação cerebral entre indivíduos de orientação sexual diferente. A maioria da diferenciação cerebral verificada está associada à diferente expressão de hormonas sexuais e seus recetores durante o período perinatal (confere maior diferenciação em mulheres).Nem sempre estas flutuações hormonais são causa de diferente orientação sexual.Teoria do cros-sex shift, pouco aplicada a mulheres, que apresentam menor diversidade neuronal.  

Identidade de género

A identidade de género informa cada pessoa sobre a sua pertença à categoria de sexo a que correspondem os seus genitais (e padrão cromossómico e hormonal). As pessoas com disforia de género, por definição, não aceitam a sua condição sexual. A vista do seu corpo ao espelho não está de acordo com a que está representada no seu esquema mental. Esta situação traz, habitualmente, muita angústia e infelicidade, porque as pessoas não conseguem tomar como valor positivo[79]  a sua representação corporal. A disforia pode revelar-se muito cedo (“early onset”), aparecendo durante a adolescência, ou antes da puberdade, ou mais tardiamente, na idade adulta.[80]

A ciência ainda não conseguiu mostrar, de forma inequívoca, diferenças na estrutura neuronal que justifiquem a disforia de género. As pequenas incongruências detetadas devem-se a muitas variáveis que podem não ser tidas em conta nos estudos e a pequenos números de amostragem.[81]

Estudos mostraram que a morfologia do córtex está mais relacionada com o sexo do que com o género disfórico (aquele que é sentido). No entanto, mostrou-se que a assinatura neuroanatómica do transgenderismo está relacionada com áreas neuronais que processam a informação do “ser” e da consciência do seu corpo (regiões como a ínsula, (pré)-cúneus, junção parieto-occipital, córtex orbito-frontal, frontal medial e cíngulo anterior).[82]

Enquanto na homossexualidade se fala de atração sexual, na identidade de género a questão está no sexo e na representação de género com que a pessoa se identifica. Nas situações de disforia, a pessoa desenvolve uma representação mental do seu género oposta à do seu sexo, e isto leva muitas vezes a desconforto psicológico e físico e a sensações de aprisionamento dentro do seu corpo como o corpo de outro.[83]

Esta característica é muitas vezes associada a um erro na exposição perinatal às hormonas sexuais, conduzindo a uma menor (ou errada) diferenciação do cérebro. Desta forma, a diferenciação sexual do corpo desenvolver-se-ia de forma oposta à do cérebro, levando a inconformidades. Dados mais recentes parecem apontar para a existência de uma menor (ou diferente) conexão entre as áreas cerebrais onde estão os circuitos neuronais que interligam e processam a perceção de si e a perceção do próprio corpo.[84] Foi já demonstrado que existem diferenças na espessura cortical, no volume de substância branca e na conectividade estrutural nas pessoas com disforia de género[85]. Outros estudos identificaram também diferenças entre os hemisférios direitos de indivíduos cisgénero[86] e transgénero[87], nomeadamente em áreas envolvidas na identificação do “eu” e na representação mental do seu corpo.[88]

No entanto, estas diferenças são inconsistentes, porque não estão conforme o que seria de esperar para o sexo em questão, ou seja, os parâmetros avaliados não apresentam valores iguais ao sexo a que pertence a pessoa nem ao género com que se identifica. Estudos mais específicos verificaram que os valores de densidade de substância branca considerados atípicos para o género, tornam-se típicos quando a orientação sexual foi tida em conta.[89] O fascículo fronto-occipital inferior (IFOF) é um feixe de substância branca que põe em comunicação os córtices occipital, parietal e pré-frontal, podendo, no hemisfério direito, relacionar a perceção de si (no córtex pré-frontal) com a perceção do seu corpo (no córtex parietal). O estudo deste feixe mostrou que a identidade de género parece estar relacionada com a quantidade de fibras que o integram.[90] Outros estudos verificaram que não existe diferenças entre a quantidade de fibras deste feixe em mulheres cis- e transgénero e foi verificado que o tratamento com testosterona administrado a homens transgénero muda a espessura do IFOF na componente posterior, o que parece causar a aproximação do seu tamanho (reduzindo a diferença) entre homens cis- e transgénero. De facto, os homens transgénero apresentam feixes de substância branca semelhantes aos femininos, com exceção do IFOF que, sendo diferente nas mulheres cisgénero, apresenta valores iguais nos homens homossexuais.[91]

Embora seja ainda necessária a realização de mais estudos, os dados atuais não explicam a maior prevalência de não-heterossexualidade nas pessoas transgénero, parecendo querer sugerir que as pessoas transgénero são estruturalmente diferentes das pessoas heterossexuais (cis- ou transgénero) e que a homossexualidade e o transgenderismo se manifestam de forma diferente. Em todo o caso, os encéfalos de pessoas homossexuais ou transgénero não parecem apresentar o padrão de feixes de substância branca hétero-normativo típico dos encéfalos cisgénero em que os homens apresentam feixes de substância branca maiores que as mulheres. Parece haver menor diferenciação sexual nos indivíduos homossexuais cisgénero e nos transgénero, sendo também concordante uma maior percentagem de homossexualidade na população transgénero.[92]  

No âmbito das expressões da identidade de género estão as identidades não binárias[93]. Estas identidades não são exclusivamente femininas ou masculinas, e podem ser compostas por elementos femininos e/ ou masculinos ou existir fora destes. Algumas identidades não binárias (por exemplo, agender[94]) podem significar não ter uma identidade de género ou rejeitar aspetos de género/ sexo como uma categoria social mais ampla.[95]As pessoas com identidade não binária têm maior probabilidade de sofrer abuso, têm menos acesso a cuidados de saúde trans-específicos, têm pior saúde mental, apresentam elevadas taxas de depressão, ansiedade e ideação suicida.[96]Atualmente ainda não há estudos que mostrem a neurobiologia associada a este tpo de identidade de género, sendo uma característica validada e muito estudada no âmbito da psicologia.[97]

No entanto, a teoria cada vez mais influente, afirma que o cérebro humano é formado por um mosaico de estruturas com características tipicamente femininas e masculinas, e que não existe um cérebro que seja totalmente feminino ou totalmente masculino,[98] pode estar na base da formulação deste tipo de identidades de género. Em todo o caso, também esta teoria do cérebro em mosaico defende que há regiões com características especificamente femininas, mais comuns nos cérebros de mulheres, e regiões com características especificamente masculinas mais comuns nos cérebros de homens. Desta forma, mais estudos são necessários para se poder entender de que forma se relaciona a neurobiologia com as diferentes identidades de género. Nem sempre é necessário que determinada resposta neuronal (comportamento ou pensamento) que seja sexualmente diferenciada (ou indiferenciada) reflita uma anatomia/ fisiologia diferenciada. É neste espaço que a psicologia encontra a resposta que nem sempre a biologia sabe e pode dar, uma vez que o ser humano não se reduz apenas à sua biologia.

Disforia de género: diferença entre a representação mental do corpo e a sua realidade.Não demonstrado de forma inequívoca diferenças na estrutura neuronal que justifiquem a disforia de género.Alguns estudos mostraram diferenças no padrão cortical, mas sem consistência. Condição que provoca grande desconforto psicológico e físico, o que afeta também a morfologia e fisiologia cerebrais. Diferenças de conectividade entre a áreas envolvidas na identificação do “eu” e na representação mental do seu corpo.Identidade não binária: não é exclusivamente masculina ou feminina, pode ser composta por elementos de ambos ou por nenhum.  

Conclusão

Os determinantes genéticos existentes nos cromossomas sexuais X e Y importam, em certa medida, variações morfológicas e fisiológicas no corpo humano em geral, e no encéfalo em particular. Estas variações, desencadeadas pelo padrão cromossómico individual conduzem, por um lado, ao desenvolvimento de gónadas e hormonas, e por outro, à expressão génica, componentes sexualmente diferenciadas que conduzem, em último caso, ao desenvolvimento de pessoas com características diferentes e dependentes do sexo cromossómico.

Algumas variações em qualquer um destes momentos aportará diferenças no desenvolvimento da pessoa no geral, e na sua determinação sexual em particular, podendo aportar características comportamentais distintas das que seriam de esperar para o sexo genético. No entanto, o cérebro humano é muito permeável a estímulos externos que poderão aportar variações comportamentais, morfológicas e fisiológicas, afastando cada uma destas componentes das características esperadas do sexo genético.

Por este motivo é necessário ter em consideração a distinção entre a variável “sexo”, aqui definida como a componente dicotómica da expressão dos cromossomas sexuais (XX/ XY) e a variável “género” que resulta da interpretação mental e pessoal dessa expressão e que pode ter muitas nuances além da dicotomia.

Este conhecimento pode ajudar a trazer luz a algumas das considerações socioculturais e clínicas das pessoas com diferente orientação sexual e identidade de género. Em todo o caso, é necessário ter em consideração que muita da biologia extra-cerebral poderá estar mais dependente dos fatores genéticos e hormonais do que dos culturais. Algumas doenças ou patologias apresentam diferenciação sexual na sua expressão e agressividade, podendo esta diferenciação ser o resultado do equilíbrio entre os fatores genéticos e os hormonais. Se é possível que as variações fisiológicas causadas pelas doenças podem pôr em causa este equilíbrio, a variação dos conteúdos hormonais pode ainda mais promover o desequilíbrio, resultando no aparecimento de doenças diferentes entre os géneros, com diferente etiologia e tratamento.

Os seres humanos apresentam dimorfismo sexual desencadeado pela expressão cromossómica (XX ou XY).A expressão da genitália dependente de fatores genéticos (cromossoma; recetores) e hormonais (testosterona).O encéfalo humano é, no geral, semelhante entre homens e mulheres.A diferenciação cerebral é pontual, associada a variações das hormonas sexuais e dos seus recetores e a outros fatores genéticos (próprios ou herdados). O cérebro humano é muito permeável a estímulos externos → variações comportamentais, morfológicas e fisiológicas → distinção das características específicas de cada sexo. Relevância da diferença e complementaridade entre “sexo” e “género”.  

Susana Sá

Referências

1.  Arnold, A.P., Sexual differentiation of brain and other tissues: Five questions for the next 50 years. Horm Behav, 2020. 120: p. 104691.

2.   Grabowska, A., Sex on the brain: Are gender-dependent structural and functional differences associated with behavior? J Neurosci Res, 2017. 95(1-2): p. 200-212.

3.   Hines, M., Neuroscience and Sex/Gender: Looking Back and Forward. J Neurosci, 2020. 40(1): p. 37-43.

4.   Pallayova, M., A. Brandeburova, and D. Tokarova, Update on Sexual Dimorphism in Brain Structure-Function Interrelationships: A Literature Review. Appl Psychophysiol Biofeedback, 2019. 44(4): p. 271-284.

5.   Rice, W.R., U. Friberg, and S. Gavrilets, Sexually antagonistic epigenetic marks that canalize sexually dimorphic development. Mol Ecol, 2016. 25(8): p. 1812-22.

6.   Jahanshad, N. and P.M. Thompson, Multimodal neuroimaging of male and female brain structure in health and disease across the life span. J Neurosci Res, 2017. 95(1-2): p. 371-379.

7.   Paus, T., Sex differences in the human brain: a developmental perspective. Prog Brain Res, 2010. 186: p. 13-28.

8.   Zagni, E., L. Simoni, and D. Colombo, Sex and Gender Differences in Central Nervous System-Related Disorders. Neurosci J, 2016. 2016: p. 2827090.

9.   Raznahan, A., et al., Globally Divergent but Locally Convergent X- and Y-Chromosome Influences on Cortical Development. Cerebral Cortex, 2016. 26(1): p. 70-79.

10. Hines, M., Gender Development and the Human Brain. Annual Review of Neuroscience, 2011. 34(1): p. 69-88.

11. Roselli, C.E., Neurobiology of gender identity and sexual orientation. J Neuroendocrinol, 2018. 30(7): p. e12562.

12. Marrocco, J., N.R. Einhorn, and B.S. McEwen, Environmental epigenetics of sex differences in the brain. Handb Clin Neurol, 2020. 175: p. 209-220.

13. Pletzer, B., Sex Hormones and Gender Role Relate to Gray Matter Volumes in Sexually Dimorphic Brain Areas. Front Neurosci, 2019. 13: p. 592.

14. Joel, D., A. Garcia-Falgueras, and D. Swaab, The Complex Relationships between Sex and the Brain. Neuroscientist, 2020. 26(2): p. 156-169.

15. Witte, A.V., et al., Regional sex differences in grey matter volume are associated with sex hormones in the young adult human brain. Neuroimage, 2010. 49(2): p. 1205-12.

16. Joel, D., Beyond the binary: Rethinking sex and the brain. Neurosci Biobehav Rev, 2021. 122: p. 165-175.

17. Sacher, J., et al., Sexual dimorphism in the human brain: evidence from neuroimaging. Magnetic Resonance Imaging, 2013. 31(3): p. 366-375.

18. Joseph, R., The evolution of sex differences in language, sexuality, and visual-spatial skills. Arch Sex Behav, 2000. 29(1): p. 35-66.

19. Azevedo, T., et al., Hiperplasia congénita da suprarrenal não clássica – aspetos relevantes para a prática clínica. Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, 2014. 9(1): p. 59-64.

20. Krebs, C., Neuroscience. 2011: Lippincott Williams & Wilkins.

21. Cromwell, H.C. and C. Papadelis, Mapping the brain basis of feelings, emotions and much more: A special issue focused on ‘The Human Affectome’. Neuroscience & Biobehavioral Reviews, 2022. 137: p. 104672.

22. Eslinger, P.J., et al., The neuroscience of social feelings: mechanisms of adaptive social functioning. Neuroscience & Biobehavioral Reviews, 2021. 128: p. 592-620.

23. Zhou, P., et al., The conceptualization of emotions across cultures: a model based on interoceptive neuroscience. Neurosci Biobehav Rev, 2021. 125: p. 314-327.

24. Zych, A.D. and N. Gogolla, Expressions of emotions across species. Curr Opin Neurobiol, 2021. 68: p. 57-66.

25. Carrito, M.L., et al., Event-related potentials modulated by the perception of sexual dimorphism: The influence of attractiveness and sex of faces. Biological Psychology, 2018. 137: p. 1-11.

26. Dickenson, J.A., et al., Understanding heterosexual women’s erotic flexibility: the role of attention in sexual evaluations and neural responses to sexual stimuli. Social Cognitive and Affective Neuroscience, 2020. 15(4): p. 447-465.

27. Fisher, A.D., et al., Neural Correlates of Gender Face Perception in Transgender People. J Clin Med, 2020. 9(6).

28. Fisher, H., A. Aron, and L.L. Brown, Romantic love: an fMRI study of a neural mechanism for mate choice. J Comp Neurol, 2005. 493(1): p. 58-62.

29. Bogaert, A.F. and M. Skorska, Sexual orientation, fraternal birth order, and the maternal immune hypothesis: a review. Front Neuroendocrinol, 2011. 32(2): p. 247-54.

30. Bogaert, A.F. and M.N. Skorska, A short review of biological research on the development of sexual orientation. Horm Behav, 2020. 119: p. 104659.

31. Wang, Y., H. Wu, and Z.S. Sun, The biological basis of sexual orientation: How hormonal, genetic, and environmental factors influence to whom we are sexually attracted. Front Neuroendocrinol, 2019. 55: p. 100798.

32. Kagerer, S., et al., Neural Activation Toward Erotic Stimuli in Homosexual and Heterosexual Males. Journal of Sexual Medicine, 2011. 8(11): p. 3132-3143.

33. Manzouri, A. and I. Savic, Cerebral sex dimorphism and sexual orientation. Hum Brain Mapp, 2018. 39(3): p. 1175-1186.

34. Xu, Y., S. Norton, and Q. Rahman, Sexual orientation and neurocognitive ability: A meta-analysis in men and women. Neurosci Biobehav Rev, 2017. 83: p. 691-696.

35. Khorashad, B.S., et al., Neuroanatomy of transgender persons in a Non-Western population and improving reliability in clinical neuroimaging. Journal of Neuroscience Research, 2020. 98(11): p. 2166-2177.

36. Burke, S.M., A.H. Manzouri, and I. Savic, Structural connections in the brain in relation to gender identity and sexual orientation. Sci Rep, 2017. 7(1): p. 17954.

37. Fukao, T., K. Ohi, and T. Shioiri, Gray matter volume differences between transgender men and cisgender women: A voxel-based morphometry study. Aust N Z J Psychiatry, 2021: p. 4867421998801.

38. Balthazart, J., Sex differences in partner preferences in humans and animals. Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences, 2016. 371(1688).

39. Safron, A., et al., Neural Correlates of Sexual Orientation in Heterosexual, Bisexual, and Homosexual Women. Sci Rep, 2018. 8(1): p. 673.

40. Safron, A., et al., Neural Responses to Sexual Stimuli in Heterosexual and Homosexual Men and Women: Men’s Responses Are More Specific. Archives of Sexual Behavior, 2020. 49(2): p. 433-445.

41. Safron, A., et al., Neural Correlates of Sexual Orientation in Heterosexual, Bisexual, and Homosexual Men. Sci Rep, 2017. 7: p. 41314.

42. Sylva, D., et al., Neural correlates of sexual arousal in heterosexual and homosexual women and men. Hormones and Behavior, 2013. 64(4): p. 673-684.

43. Chew, D., et al., Youths with a non-binary gender identity: a review of their sociodemographic and clinical profile. Lancet Child Adolesc Health, 2020. 4(4): p. 322-330.

44. Johansson, C., et al., Gender non-binary adolescents’ somatic and mental health throughout 2020. Front Psychol, 2022. 13: p. 993568.

45. Schudson, Z.C. and T. Morgenroth, Non-binary gender/sex identities. Curr Opin Psychol, 2022. 48: p. 101499.

46. Buchanan, B.G., et al., Brain connectivity in body dysmorphic disorder compared with controls: a diffusion tensor imaging study. Psychol Med, 2013. 43(12): p. 2513-21.

47. van Heesewijk, J., et al., Alterations in the inferior fronto-occipital fasciculus – a specific neural correlate of gender incongruence? Psychol Med, 2022: p. 1-10.

48. Uribe, C., et al., Brain network interactions in transgender individuals with gender incongruence. Neuroimage, 2020. 211: p. 116613.


[1] Características anatómicas, fisiológicas ou comportamentais que diferem nos indivíduos dos dois sexos

[2] Revisto em refª. [1, 2]

[3] Órgão genital externo, nos machos apresentado pelo pénis e escroto e nas mulheres pela vulva e vagina

[4] Compostos libertados pelas gónadas, para a corrente sanguínea e que vão atuar em vários órgãos que apresentem os seus recetores, desencadeando processo bioquímicos.

[5] Correspoo.nde a uma preferência afetiva, com ou sem expressão sexual, por pessoas do mesmo sexo, do sexo oposto ou de ambos os sexos.

[6] Sentido psicológico do eu pessoal, como distinto do seu sexo biológico, no entanto, o género é fundamentado ou referente ao sexo biológico

[7] Tendo bem presente que a cultura (a educação) desempenha um papel preponderante na resposta cerebral, neste texto abordarei apenas a temática biológica, considerando o sexo como o definido pelos cromossomas X e Y (sexo genético), sendo os “homens” as pessoas portadoras de cromossomas XY e as “mulheres” as pessoas portadoras de cromossomas XX.

[8] O encéfalo é também o lugar da criação do pensamento e do comportamento, sendo o lugar da definição do “eu”, que incorpora muita subjetividade na sua construção. Neste caso, defino “género” como categoria dicotómica correspondente à autointerpretação da sua posição na categoria sexo. Se a sua autorreferenciação é coincidente com o seu sexo genético, digo que a pessoa apresenta “congruência de género”; se, pelo contrário, a autorreferenciação é oposta ao seu sexo, a pessoa apresenta “incongruência de género”.

[9] Uma forma de reprodução que é realizada por meio da fusão de dois tipos de células reprodutoras especializadas, chamadas gâmetas. Nos animais, essas células especializadas são o óvulo e o espermatozoide.

[10] Os órgãos onde se produzem os gâmetas necessários para a reprodução. As gônadas femininas estão localizadas nos ovários, enquanto as masculinas localizam-se nos testículos.

[11] Células sexuais haploides que se formam nas gónadas por meiose. Quando se dá a fecundação, ocorre a fusão dos núcleos dos dois gâmetas.

[12] Complexo das características morfológicas e funcionais observáveis de um organismo

[13] Processo pelo qual a informação hereditária contida em um gene (por exemplo, DNA) é utilizada de modo a formar um produto funcional, tal como proteínas ou RNA

[14] É uma estrutura altamente organizada de uma célula, que contém o material genético de um organismo

[15] É a principal hormona sexual masculina, produzida no testículo; desempenha um papel fundamental no desenvolvimento de tecidos reprodutores masculinos, bem como a promoção de características sexuais secundárias

[16] Diferenciação sexual, revisto em refª [1-5]

[17] https://thefocusfoundation.org/

[18] Formado pelo conjunto de glândulas que apresentam a produção de hormonas

[19] Ativação das regiões relacionadas com os comportamentos tipicamente masculinos e a inativação das relacionadas com o comportamento tipicamente feminino

[20] Revisto em refª [1]

[21] Fatores promotores de alterações genéticas herdáveis (passam para a prole) que não alteram a sequência de DNA e não são restritos a uma fase especifica da vida

[22] São substâncias exógenas que agem como hormonas no sistema endócrino e causam alterações na função fisiológica das hormonas endógenas

[23] Revisto em refª [6-8]; ver também https://www.bionity.com/en/news/1173022/cause-found-for-higher-sex-specific-risk-of-mortality.html); https://www.bionity.com/en/news/1173037/a-new-study-reveals-the-evolutionary-reason-why-women-feel-colder-than-men.html

[24] Apresentam maior expressão de recetores de androgénio onde a testosterona possa atuar

[25] Moléculas com grande afinidade para as hormonas sexuais masculinas (testosterona) que quando se ligam à hormona são ativados, desencadeando processos bioquímicos

[26] Refª [1-3, 9]

[27] Refª [3, 10, 11]

[28] Pessoa que apresenta orientação sexual para o sexo oposto

[29] Molécula envolvida na produção da hormona e que será transformada para produzir essa hormona

[30] Esta percentagem é a mesma para pessoas que cresceram com perfis educativos de género contrário; refª [3, 10, 11]

[31] Refª [5, 12]

[32] Quando o sentido da expressão génica induzida pelo fator epigenético é oposto ao da expressão génica dos cromossomas sexuais

[33] Refª [5, 12]

[34] idem

[35] idem  

[36] O conjunto de cromossomas dentro de um núcleo de uma célula, característico da espécie

[37] Relação evolutiva entre grupos de organismos

[38] Refª [1-5,13]

[39] Células do cérebro, nomeadamente neurónios (células produtoras de potencial elétrico) e glia (células de suporte)

[40] Forma de comunicação elétrica ou química entre neurónios

[41] Refª [1-4, 9]

[42] Hormonas produzidas e libertadas pela gónada feminina, o ovário

[43] As áreas neuronais mais consistentemente sexualmente dimórficas são o núcleo de Onuf (responsável pela ereção do pénis), o núcleo intersticial do hipotálamo anterior (INAH) 1 – maior nos homens entre os 4-50 anos (considerado recíproco do Núcleo Sexualmente Dimórfico na área pré-óptica do rato) e o núcleo do leito da estria terminal – menor nas mulheres, todos dependentes do pico de testosterona perinatal; e a amígdala que é dependente dos picos hormonais da puberdade. – Refª [14, 15]

[44] Revisto em Refº [14, 16]

[45] idem

[46] Conjunto de neurónios de uma determinada área do encéfalo

[47] Conjunto de fibras (dendritos e axónios) de comunicação entre neurónios de diferentes áreas

[48] Estas características aparecem em regiões cerebrais relacionadas com a perceção de movimento, da memória autobiográfica, da interocepção, dos mecanismos emocionais e de recompensa; nos córtices auditivo e de linguagem.

[49] Refª [1, 2, 4, 15, 17]

[50] Refª [18]

[51] Todos os cromossomas que não são sexuais

[52] Refª [1]

[53] Padrão de morfologia do córtex, como volume, área e quantidade de substância cinzenta e branca.

[54] Estudos em pessoas X0, XX, XXX, XY, XXY, XYY, XXYY (entre os 5 e os 25 anos) mostram que quanto maior o número de cromossomas X, menor é o volume encefálico total, o volume cortical e a área de superfície cortical, sem apresentar variação na espessura cortical, em ambos os sexos e sem relação com a concentração hormonal. (Não existem pessoas com 0Y, ou são muito poucos e inviáveis; pessoas com X0 – síndrome de Turner – são pouco viáveis e estéreis); refª [1, 9, 14, 16]

[55] Brincadeiras que são desenvolvidas preferencialmente por crianças do sexo masculino ou feminino

[56] Hiperplasia congénita da glândula suprarrenal que leva á produção em excesso de androgénio. Rever em refª [3, 10, 19]

[57] Revisto em refª [3, 10, 14, 16]

[58] Um exemplo disto é o núcleo do leito da estria terminal, em que o dimorfismo sexual aparece apenas depois da puberdade; parece ser o resultado da experiência (a sua anatomia é consequência do comportamento, e não a causa para esse comportamento).

[59] Revisto em refª [3, 10, 14, 16]

[60] Revisto em refª [2]

[61] De elaboração do conhecimento, de forma a desenvolver as capacidades intelectuais e emocionais, isto é, linguagem, pensamento, memória, raciocínio, capacidade de compreensão, perceção, etc

[62] Um exemplo disto é o dimorfismo sexual verificado no septo e que está relacionado com a possibilidade de promover maior comportamento parental ao macho dos ratinhos do campo. Neste caso, a existência de dimorfismo sexual não implica diferenciação de funcionalidade, pelo contrário, aproxima a resposta comportamental.

[63] Revisto em refª [20]

[64] Revisto em refª [21-24]

[65] idem

[66] Refª [21-28]

[67] Revisto em refª [21-24]

[68] Pessoa que apresenta orientação sexual para o mesmo sexo

[69] Revisão em refª [3, 10, 11, 29-31]

[70] No entanto, este estudo apresentou algumas falhas de amostragem e foi difícil de replicar, sendo ainda considerado por alguns autores não prova de facto.

[71] um estrogénio não esteroide prescrito a mulheres grávidas para evitar problemas na gravidez

[72] Refª [26, 29, 30, 32, 33]

[73] Revisão em refª [34]

[74] “Não-conformidade de género na infância”, fenómeno em que as crianças não se conformam com os padrões sociológicos ou psicológicos esperados para o seu género, ou se identificam com o sexo/género oposto

[75] Refª [3, 10, 34, 35]

[76] Refª [35-37]

[77] Como a definida pela teoria cross-sex, em que os homens homossexuais seriam iguais às mulheres heterossexuais e as mulheres homossexuais seriam iguais aos homens heterossexuais

[78] Refª [30, 32, 33, 38-42]

[79] Valor positivo: é o valor mental atribuído a qualquer estímulo. É positivo se for de vantagem para o próprio.

[80] Refª [3, 10, 11, 29, 30, 35]

[81] Nomeadamente, se as pessoas estão efetivamente disfóricas e/ou se já estão a fazer terapia de conversão hormonal. O facto de já estar a tomar hormonas de outro sexo pode induzir diferenciação sexual noa morfologia e fisiologia neuronais que induzirão em erro as observações.

[82] Refª [3, 10, 11, 36, 37]

[83] Refª [43-45]

[84] Refª [36, 37, 46, 47]

[85] Refª [35-37, 46-48]

[86] Pessoa que define que o seu género corresponde ao seu sexo biológico

[87] Pessoa que define que o seu género não corresponde com o seu sexo biológico e, para além disso, que o seu sexo biológico é meramente uma categoria que lhes foi ‘atribuída’ no nascimento.

[88] Refª [35-37, 46-48]

[89] Refª [35-37, 46-48]

[90] Refª [46, 47]

[91] idem

[92] Refª [36, 37, 46, 47]

[93] Um termo guarda-chuva que inclui identidades de género que não são estritamente masculinas ou femininas, colocando-se de fora da dicotomia e congruência de género

[94] Pessoa que apresenta total ausência de género ou cuja identidade de género é nula

[95] Refª [45]

[96] Refª [43, 44]

[97] Refª [43-45]

[98] Refª [14, 16]

Related Posts