Pórtico – Memória Descritiva do Projeto Entre Linhas

Pórtico – Memória Descritiva do Projeto Entre Linhas
Susana Sá, Juan Ambrosio e P. Luís Marinho

Padre Luís Marinho, Coordenador do Projeto Entrelinhas

Lugares da afetividade e da sexualidade na configuração da identidade pessoal

Como responder a uma incómoda, bem identificada, constatação de que a raiz identitária do CNE não é convocada para dar sentido à configuração da identidade pessoal no que à afetividade e sexualidade diz respeito? Como trazer para a luz do Evangelho e da fé cristã essas zonas de sombra numa proposta educativa que se deseja integral? Como capacitar os dirigentes do CNE para assumir por inteiro a missão de educadores que acolhem, ouvem, acompanham e propõem a crianças e jovens o horizonte de uma vida feliz, na qual a pessoa de Jesus Cristo nada tira do que a vida tem de grande e belo e feliz?

Eis algumas das interrogações que estiveram na origem do projeto Entre Linhas. Concebido já no início da pandemia da COVID19, foi assumido como uma iniciativa do CNE, sob a coordenação do Assistente Nacional, e procurou parceiros relevantes no panorama escutista e eclesial: Movimiento Scouts Católico, de Espanha (MSC), comité Europa/Mediterrâneo da Conferência Internacional Católica do Escutismo (CICE), Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa e Secretariado Nacional da Educação Cristã. Este projeto encontrou na fundação Porticus um apoio generoso de valor inestimável. 

Entre Linhas. A sexualidade humana: entre a natureza, a cultura e a liberdade
A expressão «entre Linhas» pode ser entendida de diversos modos. Um deles aponta para aquilo que aparece ‘dito’ de um modo subentendido, ou seja, como que escondido entre as linhas escritas, a modo de coisas que se querem dizer, mas não se querem assumir abertamente. Não foi neste território que nos situamos Um outro modo de entender a expressão – e foi esse que assumimos e no qual   nos movimentamos- aponta para uma reflexão que se quer desenvolver e realizar a partir de várias linhas de pensamento, explorando toda a amplitude desse espaço.
Não quisemos  seguir só uma única linha de reflexão e ação, mas, antes, procurámos aprofundar, na complementaridade de diversas dimensões constitutivas da condição humana, uma reflexão cristã acerca da afetividade e sexualidade humanas e, a partir dessa mesma reflexão, desenhar itinerários de formação no contexto do CNE.

Ainda não tinha começado o atual processo sinodal em curso na Igreja Católica, já nos tínhamos colocado, desde o início, em atitude de escuta, na congregação de sensibilidades, idades e horizontes de vida diversos para se constituir uma equipa de desenvolvimento formada por dirigentes do CNE e amigos das instituições parceiras, que desse corpo ao projeto. 

E assim, começámos este caminho em 7 de outubro de 2020.  Foram já despendidas mais de 3300 horas de trabalho de voluntários e profissionais, convidados 13 especialistas em áreas de relevo, escutados 16 jovens dirigentes e 15 caminheiros, num fim de semana presencial, e recebidos cerca de 100 contributos partilhados num formulário online que permitiram um aprofundamento significativo da realidade e dos desafios que são colocados ao CNE.

Entre os nomes dos especialistas que já participaram neste processo, estão os professores da Faculdade de Teologia da Universidade Católica João Manuel Duque, Jerónimo Trigo, António Martins; a ex-presidente da Comissão para a Igualdade de Género, Teresa Fragoso; o antropólogo Miguel Vale de Almeida; a psiquiatra Zélia Figueiredo, que tem acompanhado processos de mudança de género no Hospital Magalhães Lemos, do Porto; a socióloga Lígia Amâncio; a psicóloga clínica Fabrizia Raguso; a diretora do gabinete em Genebra do Fundo das Nações Unidas para a População, Mónica Ferro; a psicóloga Olga Cunha; a professora da Faculdade de Medicina do Porto, Susana Sá; o jurista Pedro Vaz Patto e o teólogo Aristide Fumagalli (Milão). 

O que pretendemos alcançar?
• Abraçar a realidade, as dúvidas e os desejos dos jovens;
• Desenvolver a dimensão afetiva na reflexão e na prática eclesial e escutista;
• Contribuir para a criação de um discurso aprofundado sobre a afetividade/ sexualidade na Igreja e na sociedade;
• Aumentar a cidadania ativa e o compromisso eclesial;
• Aprofundar a fé cristã numa perspetiva de proximidade com os jovens;
• Favorecer a inclusão de todos os Escuteiros e Dirigentes, à luz da fé cristã;
• Apontar linhas de reflexão e diálogo sobre a afetividade e a sexualidade no programa educativo do CNE;
• Enriquecer o Sistema de Formação de Adultos e o Programa Educativo.

Anima-nos uma convicção, que podemos declinar assim:

– Procuramos um diálogo amplo: eclesial, académico e social: 

“Numa sociedade pluralista, o diálogo é o caminho mais adequado para se chegar a reconhecer aquilo que sempre deve ser afirmado e respeitado e que ultrapassa o consenso ocasional. Falamos de um diálogo que precisa de ser enriquecido e iluminado por razões, por argumentos racionais, por uma variedade de perspetivas, por contribuições de diversos conhecimentos e pontos de vista, e que não exclui a convicção de que é possível chegar a algumas verdades fundamentais que devem e deverão ser sempre defendidas”[1].

– É um projeto de cristãos católicos, de um movimento católico. Não é um diálogo com a Igreja. Mas com diversas instâncias (articulações) da Igreja. A Igreja é Povo de Deus, comunhão de carismas e ministérios. Assumimos a nossa parte, a nossa responsabilidade. Trata-se, pois, de um projeto fundamentado e alimentado no seguimento de Jesus Cristo.

– No meio de tantas polarizações na sociedade e na Igreja, queremos prestar atenção à nossa missão de educadores: não deixar os jovens sozinhos, isolados nas suas questões, nem apenas entre eles, nem apenas com especialistas. Mas sermos interlocutores credíveis, rosto de uma Igreja que acompanha, cuida e propõe.

– Não é um projeto que tenha como meta a inclusão, mas que procura tornar o Evangelho fecundo, capaz de dar sabor e beleza à vida de cada pessoa, de cada criança e jovem que vive ou quer viver a proposta escutista do CNE.

O Simpósio realizado em Coimbra a 28 e 29 de janeiro, juntamente com outras encontros pessoais, institucionais e informais são parte integrante deste percurso estruturado de reflexão, aprofundamento e diálogo que nos possa conduzir a uma melhor prática educativa. Deste modo, estamos convictos que contribuímos para o cuidado pastoral das pessoas, muito animados pelas luminosas palavras do Papa Francisco: “Eu distingo sempre o que é a pastoral com as pessoas que têm orientação sexual diversa do que é a ideologia do género. São duas coisas distintas. A ideologia do género, neste momento, é das colonizações ideológicas mais perigosas. Vai muito para além da sexualidade. Porque é perigosa? Porque dilui as diferenças, e a riqueza dos homens e das mulheres e de toda a humanidade é a tensão das diferenças. É crescer através da tensão das diferenças. A questão do género vai diluindo as diferenças e fazendo um mundo igual, sem nuances, tudo igual. E isso vai contra a vocação humana”[2]


[1]  Papa Francisco, Fratelli tutti, 211.

[2]  Papa Francisco, Entrevista ao jornal La Nacion 10 de março 2023. https://www.lanacion.com.ar/el-mundo/entrevista-de-la-nacion-con-el-papa-francisco-la-ideologia-del-genero-es-de-las-colonizaciones-nid10032023/

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