Ser educador
Devemos dar ao nosso caminhar o ritmo salutar da proximidade, com um olhar respeitoso e cheio de compaixão, mas que ao mesmo tempo cure, liberte e anime a amadurecer na vida cristã.
EG 169
Ser educador – qualquer que seja o contexto e a natureza do processo educativo – é, por si só, um permanente desafio.
É, desde logo, dispor-se ao desafio, dispor-se a desafios: ao desafio do propósito, ao desafio da relação, ao desafio da unicidade do outro, ao desafio do inesperado, ao desafio do confronto, ao desafio de não se impor e a tantos outros desafios.
Dispor-se ao desafio, porém, não é lançar-se imprudentemente num vazio, pelo contrário é preparar-se para enfrentar o desconhecido com a segurança das fontes em que se bebe, a certeza do horizonte almejado, a clareza da relação estabelecida.
Ser educador no âmbito de uma associação de educação não-formal católica e num movimento da Igreja como é o CNE comporta, necessariamente, para além dos desafios gerais de um educador, exigências particulares associadas à identidade e missão do CNE e ao papel que os dirigentes adultos nele protagonizam.
Combinando os desafios gerais com as exigências particulares acima mencionados, as premissas de uma relação educativa própria, adequada e segura são as que seguidamente se apresentam.
Relação educativa
Uma qualidade de primária grandeza é saber reconhecer-se humano e capaz de cometer erros: não perfeitos, mas pecadores perdoados. […] Os guias não deveriam levar os jovens a serem seguidores passivos, mas sim a caminhar ao seu lado, deixando-os ser os protagonistas do seu próprio caminho.
EG 169
Primeiro que tudo, numa relação educativa, como referiu o filósofo espanhol Fernando Savater, alguém tem de pagar o preço de ser o adulto. Ou seja, não se trata aqui de uma relação entre pares, mas de uma relação, neste sentido, desigual; jamais uma desigualdade de valor ou dignidade, mas somente – porém bastante importante – uma desigualdade de papéis, onde ao adulto – o educador – cumpre garantir a orientação, a adequação e a segurança do processo educativo. Ainda que, tratando de um ambiente de educação não-formal e fundamentalmente participativo, tal não impede nem colide com este papel diferenciado que ao adulto cabe. Diferenciado pela responsabilidade associada, pela capacitação exigida, pela maturidade necessária.
Em segundo lugar, cumpre ao educador conhecer e estar ciente do seu papel de educador no seio de uma associação com uma identidade e missão claramente definidas. No CNE ninguém é educador freelancer, unicamente baseado nas suas ideias, pensamentos ou intuições. É-se educador voluntário, mas não com base em voluntarismos. É-se educador em nome de uma identidade e no cumprimento de uma missão. Como exclamou, perante o Adamastor, o homem do leme no poema O Mostrengo de Fernando Pessoa, aqui ao leme sou mais do que eu: sou um povo que quer o mar que é teu… Para se ser educador, é necessário estar-se ciente de qual a vontade que ata ao leme.
Em terceiro lugar, a função de educador exige não apenas uma capacitação em termos de conhecimentos e competências, mas igualmente – e primordialmente – uma maturidade em termos de atitudes. Ter pleno conhecimento da proposta educativa do CNE é fundamental, porém não suficiente. Ser educador, mormente numa associação escutista católica, não é um mero exercício de aplicação prática de um ideário e de uns quantos preceitos e métodos educativos, é encarnar todo um conjunto de atitudes pessoais, seja em termos de vida, seja em termos interrelacionais. O educador questiona-se e desafia-se a si mesmo, não se tem como produto acabado, não se exime de ser igualmente sujeito aprendente na vida e no percurso educativo que propõe e superintende. O educador acompanha cada criança e cada jovem que lhe é confiado, ciente da respetiva unicidade, respeitando a respetiva dignidade e individualidade, estando atento às respetivas necessidades e particularidades, procurando conhecê-lo, com ele dialogar (e este dialogar é muito mais que simples conversa verbal). O educador escutista cristão tem como modelo o pastor, o Bom Pastor, que conhece as suas ovelhas e as suas ovelhas conhecem-no (Cf. Jo 10, 14); não é um cowboy de extensas manadas. O educador escutista cristão tem um modelo que apresenta e propõe, jamais se julga ele próprio modelo. Apenas testemunho, mas fiel testemunho… Com a humildade de quem se sabe e aceita imperfeito, com a segurança de quem procura construir a casa sobre a rocha (Cf. Mt 7, 24), apenas testemunho, mas fiel testemunho…
Educar a afetividade e sexualidade
Os jovens precisam de ser respeitados na sua liberdade, mas necessitam também de ser acompanhados.
CV 242
Circunscrevendo – ainda que nada esteja segmentado, antes tudo está interligado – aos âmbitos específicos da afetividade e da sexualidade, campos estruturais e estruturantes da individualidade, da personalidade e da felicidade de cada pessoa, neste caso das crianças e jovens que ao CNE são confiadas pelas famílias, especiais cuidados se exigem ao educador.
O conhecimento dos principais elementos e perspetivas da antropologia cristã é importante e algo que uma maturidade cristã efetiva não dispensa. Porém, numa relação que é educativa, como já mencionado, mais que os conhecimentos são as atitudes que verdadeiramente enformam essa mesma relação.
Ser-se capaz de acompanhar cada criança e cada jovem, na medida da respetiva idade e maturidade, jamais procurando enquadrá-lo ou formatá-lo numa qualquer tabela ou taxonomia, mas atendendo à sua condição de pessoa única, criada e amada por Deus, exige – no que à afetividade e sexualidade se refere – cuidado e delicadeza pela respetiva intimidade, particular atenção a zonas de sofrimento (pretérito ou contemporâneo, mas sempre presente) que possam existir, garantias de reserva e descrição.
A capacidade de escuta – de escuta atenta, não interruptiva e até ao fim – é algo fundamental. A escuta de quem se dispõe a acolher, nem condescendendo nem impondo julgamentos, a acolher o que o outro tem para dizer e quer dizer, nem forçando com perguntas sucessivas nem respondendo a perguntas que ainda não existem, mas respeitando o ritmo, o âmbito e formulação daquele que quer – se o quiser – ser ouvido.
Escutar sem julgamento não é condescender com tudo, promovendo um relativismo, é escutar com o coração, é propor reflexão pessoal e – porventura – partilhada, é ousar desafiar a passos concretos de crescimento e desenvolvimento pessoal.
Espaços delicados
[…] descalçar sempre as sandálias diante da terra sagrada do outro (cf. Ex 3, 5).
EG 169
Contudo, a afetividade e a sexualidade são espaços do ser que – ao serem aflorados – podem revelar a existência de feridas ou perturbações emocionais face às quais não basta, ainda que seja muito importante, um percurso educativo trilhado com um irmão mais velho, mas mostra-se necessário outro tipo de intervenção.
O educador escutista católico não é, nem se pode arvorar, de terapeuta amador; cumpre-lhe compreender os limites do seu saber e a limitação da sua atuação. Cumpre-lhe saber quando recorrer a apoio de terceiros, porque ninguém tudo sabe e há situações em que a colegialidade da análise se mostra vantajosa. E cumpre-lhe saber quando recorrer a apoio técnico especializado ou para este procurar encaminhar a criança e jovem que tem à sua frente, bem quando como sugerir o diálogo e acompanhamento por um ministro ordenado.
Linhas e entrelinhas
Uma vez que «o tempo é superior ao espaço», devemos suscitar e acompanhar processos, não impor percursos.
CV 297
Ser educador implica perceber que diante de si se têm pessoas em construção, como ele próprio, ainda que noutra fase, é igualmente pessoa em construção. Pessoas diferentes, cada uma delas única, mas cada uma delas igualmente criada e amada com Deus, cada uma delas precisando de uma mão mais velha que ajude a descobrir caminhos de crescimento e desenvolvimento pessoal, por trilhos de maturidade e de felicidade, rumo não a um horizonte qualquer, mas ao Horizonte a que todos somos chamados.
Por um lado, a afetividade e a sexualidade são espaços educativos delicados e fundamentais, que não se podem votar à desconsideração educativa, nem se compadecem com normativos simplistas.
Por outro, ser educador nas entrelinhas exige saber ler entre as linhas, mas exige igualmente saber com que linhas se cose…
Sugestões Bibliográficas
Evangelii Gaudium [169-173]
Christus Vivit [242-247; 295-298]